Regina Ramos dos Santos
Véspera de domingo de Páscoa. A jovem caminha sem vontade rumo ao supermercado. Os últimos preparativos do feriado haviam determinado algumas compras. Na verdade, nada de importante.
Ela não gostava das datas consideradas “especiais”. Achava-as monótonas e interesseiras, porque, para ela, a essência de todas era apenas o apelo comercial. O significado religioso, infelizmente, há muito tempo fora deixado para trás.
Duas crianças sujas e maltrapilhas sentadas na calçada chamaram-lhe a atenção. Não deviam ter mais do que oito anos e, naquele momento, repartiam o pão que acabaram de ganhar.
A fome certamente conferia ao alimento divino sabor, porque não pareciam notar as pessoas que transitavam ao redor. Mas logo o pão acabou e elas voltaram a fixar os olhinhos vivos e brilhantes nos transeuntes, certamente à espera de mais donativos.
“Que vida!” – pensou a jovem. Infelizmente, aquelas crianças representavam parcela significativa da população brasileira. Ironicamente, habitantes de um país muito rico, mas que, assim mesmo, permitia que muitos dos seus filhos passassem fome e toda sorte de privações.
Mas que podia fazer? Grandes problemas sociais carecem de abrangentes políticas públicas. Portanto, eram responsabilidade do governo e não de simples mortais como ela. De repente, uma ideia mudou o rumo dos tristes pensamentos. Por que não pensara nisso antes?
Rapidamente, entrou no supermercado, comprou tudo o que precisava e algo mais. Como era de se esperar, o estabelecimento estava cheio, de modo que demorou a livrar-se da fila do caixa. Não via a hora de chegar à rua e reencontrar as crianças.
Os pequenos estranharam, quando ela parou e, sorrindo, ofereceu um ovo de Páscoa para cada um. Os olhinhos brilharam ainda mais, porque não esperavam por aquele presente. E ela sentiu-se ainda mais feliz, por saber-se responsável por toda aquela alegria.
Já havia se afastado um pouco, quando ouviu as crianças chamando-a:
- Moça! Moça!
Olhou para trás e viu que, a elas, haviam se juntado mais três. Sabia o que queriam e não as decepcionou.
- Já volto! – foi a resposta.
Retornou ao supermercado para comprar mais ovos. Desta vez, a multidão e a fila não a aborreceram.
Voltou a pensar na responsabilidade dos governantes. No entanto, o fato não isentava as pessoas em geral do dever de serem solidárias e humanas. Gestos despretensiosos como o seu certamente não mudariam a situação daquelas crianças, mas foram capazes de fazê-las sorrirem. E isso não tinha preço...
Concluiu que as oportunidades de fazer alguém feliz aparecem o tempo todo na nossa frente. Aprender a percebê-las e aproveitá-las só depende de nós. Neste caso, o maior beneficiário não é quem recebe o benefício, mas, seguramente, quem o proporciona. Quem pratica sabe. E, a partir de agora, ela também sabia.