Márcio José Rodrigues
Ela vivia sonhando acordada com uma reviravolta em sua existência sem graça. Não satisfeita com a boa vida e prestígio que desfrutava em sua cidadezinha de interior, a moça mais bonita do lugar, perdia dias e horas lendo revistas sobre artistas, preenchendo e enviando milhares formulários, ouvindo as músicas no rádio ou assistindo novelas, programas de auditório e reality shows. Delirava por muito mais, ser rica, famosa, aparecer na televisão.
Numa tarde de rotina, foi aos gritos que abriu um envelope de uma emissora de TV, dizendo da aprovação para participar em rede nacional no programa "DIGA SIM, DIGA NÃO".
A notícia correu como um corisco e num instantinho todo mundo sabia da sortuda e a carreira de superstar acabara de explodir ali mesmo em frente à sua casa; uma multidão querendo tocá-la, abraçá-la, rasgando-se por um autógrafo. O único que não gostara nadinha da história era o bonitão comandante da polícia local, Tenente Liones Genário Barreto, que sonhava sinceramente declarar-se e pedí-la um dia em casamento e com ela construir seu futuro, sua história. Mas, coitado embora ela o notasse e às vezes até sonhasse em estar em seus braços, ele era ainda pequeno para os suas ambições muito maiores.
E foi assim, com faixas e cartazes, o prefeito, as autoridades, banda de música, seu nome repetido aos gritos histéricos e até um cordão de isolamento providenciado pelo tenente em prantos, que ela acenou do helicóptero pousado no campinho de futebol, que a levaria ao aeroporto da cidade vizinha de onde partiria de jatinho para São Paulo. Seria o prenúncio de uma despedida e talvez ela nunca mais voltasse
No estúdio da emissora, as coisas eram bem menos glamorosas do que imaginara. Tudo era falso, de isopor, papel colorido e efeitos luminosos. O auditório repleto tinha algo de assustador. A boca secou em instantes, quando o apresentador anunciou próximo quadro. E agora, Brasil, o programa que está emocionando o país Tudo parecia falso. Um cartaz fora da vista das câmeras avisava: aplausos e gritos. A claque respondeu freneticamente com aplausos e gritos. Logo depois, a ordem era "silêncio" e a platéia obedeceu..
Fechada hermeticamente em uma cabine onde podia ver apenas uma tela de monitor com propagandas da emissora, tinha à frente de sua boca um microfone e em seus ouvidos, dois potentes fones de estúdio tocando em volume absurdo, músicas de cantores conhecidos.
O apresentador começou:
- E agora, senhorita Dulceline Regifátima, consegue me ouvir?
- Siiiiiim!
- Então vamos à primeira oferta! Basta responder sim ou não. Você quer este pente de plástico?
Ela não podia ouvir a pergunta, apenas a mensagem na tela: DIGA SIM, DIGA NÃO!
Aquilo era uma tortura, mas respondeu:
- Siiiiiim!
- E agora, quer trocar este pente de plástico por um refrigerador Trastemp , aço inox, frostfree?
-Siiiiiiim!
- Quer trocar este espetacular Trastemp por um automóvel BMW 0 km?
- Siiiiiiim!
- E agora, senhorita Regiline Dulcefátima, perdão, Dulceline Regifátima, é a hora da última pergunta. Quer trocar esta flamante BMW 0 km, ano 2011, no valor de quinhentos e cinqüenta mil reais, por esta galinha viva?
- O país inteiro berrava em frente aos aparelhos de TV, desesperadamente, não! não! A platéia estrebuchava, urrava, esperneava, mas ela não podia ver nem ouvir nada, apenas a voz de Natália Secco cantando "ler em teus lábios a palavra sim". Ela achou que aquilo fosse um sinal.
E gritou com todas as forças do peito:
- Siiiiiiiim!!!
Quando saiu da cabine, tonta, tropeçando nos altíssimos saltos acabou vendo a merda toda que havia feito com aquele sim. Sozinha no hotel, pensou em matar-se, a vergonha do retorno à cidadezinha, o vexame a gozação. Trancou-se em casa. Não queria atender a ninguém. Uma voz forte gritou lá fora, "CORREIO" e só assim ela abriu para receber uma caixa de papelão cheia de buracos redondos. Era a galinha, com os cumprimentos da emissora pela participação no programa. O carteiro malicioso saiu cantarolando có- ró-có-có , có-ró-có-có....
Ainda estava chorando, quando alguém muito insistente bateu repetidamente à porta.
Abriu!
O tenente estava ali, imponente em sua farda camuflada, a boina verde meio pendida, deixando ver o lado da cabeleira negra, os coturnos brilhando e a pistola automática no coldre pendendo do cinturão, completava a imagem de um super macho, encantado pelo fetiche da farda.
A galinha, desastradamente, ou não, apareceu andando pela sala. Dulceline queria morrer de novo, enfiar-se dentro da caixa de papelão, quando Liones Genário Barreto falou-lhe calmo, com um tom de ternura na voz:
- Você sabe cozinhar?
Ela não entendeu o propósito da pergunta, mas ele logo arrematou:
- Porque não prepara esta galinha e me convida para jantar?
Num impulso, ela jogou-se em seus braços e enlaçou-lhe o pescoço, em pranto.
- Quer casar comigo? - ele perguntou de chofre, como numa decisão militar.
Desta vez, entre soluços, ela viu pela primeira vez que toda a sua felicidade sempre estivera ali ao seu alcance, e respondeu baixinho e docemente:
-Sim!
Um comentário:
Já comentei no E;mail, este seu texto é sensacional!
Muito alegre e gostoso de ler.
Parabéns!
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