sábado, 12 de fevereiro de 2011

TRISTE SINA

Dulce Claudino

          Dona Corina entregou a alma a Deus, deixando como herança um falante papagaio à sua querida sobrinha Cleusa.
         - Credo, Onório, praguejava Cleusa. Ter que conviver com esse bicudo, já é um castigo.
         - Qual nada, mulher. Ele é falante e até canta um trecho do hino do Corinthians.
         - Não duvido? Nossa vizinha Selma vai ficar tiririca. Ela é botafoguense rachada.
         - Gorda! Gorda! Gorda!
         - Cala esta boca, bicudo !
          De nada adiantavam as ordens de Cleusa. Quanto mais berrava , mais o loro cantava:
          - Salve o Corinthians ... Gorda... O campeão... Gorda...
          - Miséria! Vou te matar, ameaçava  e o bicudo calava meio amedrontado.
           O tempo passou. A vizinha não suportando os insultos, mudou-se. O loro parou de cantar? Jamais. Parecia um CD que nunca arranhava. Até que numa manhã chuvosa Onório espantou-se ao ver o papagaio esticado na gaiola.
           - Cleusa, acorda, o bicudo morreu.
           - Maluqueceu marido ? Ontem, antes de dormir ainda escutei aquela canção que ele compôs pra mim.
           - Venha ver. Morreu babando o pobre!
            Cleusa nem olhou o pássaro, passou de fininho e pediu ao marido que o enterrasse no fundo do quintal. O sepultamento era uma tarefa que a aterrorizava, ainda mais o do bicudo cantor e praguejador.
             E o tempo que não para , trouxe a Cleusa umas dores lombares.
            -Onório, amanhã vou ao médico do SUS. Marquei consulta no postinho do PSF.
            - Fez bem, mulher. O Doutor Fagundes entende de mulheres. Ele apalpa, apalpa, até descobrir a doença. O compadre
             Juca comentou que a comadre voltou da consulta com umas manchas roxas, mas que ele acertou no remédio, ah! Acertou.
            - Mas comigo vai ser diferente! Vou logo pedindo pra bater uma chapa.
             A visita ao consultório foi só o tempo de fazer o Raio X e descobrir o motivo das dores.
            - Dona Cleusa , a senhora sofre de Osteofitose.
            - Nome bonito, Doutor ! É doença de gente rica, é?
            - Não . É doença dos humanos. Não tem classe social. É o famoso “Bico de Papagaio”.
            - Meu Deus! Eu sabia que a alma daquele bicudo vinha me perturbar. É maldição. Ele não foi pro céu dos passarinhos.
              Ele veio se vingar. Não me perdoou.
            - Acalme-se , Dona Cleusa! Vou prescrever a receita e a senhora vai ficar boa.
            - Não, Doutor! Tenho que pagar meu crime . O chumbinho que coloquei na comida do bicudo não era para matar. Era só um castigozinho e ele não resistiu.
              O médico educadamente pediu que Cleusa se acalmasse , pois estava atônito com a sua reação.
              Cleusa em prantos saiu devagarinho resmungando :
             - Puxa , bicudo ! Eu até gostava de você. Eu só odiava aquele gorda... gorda...gorda... Mas você foi malvado ! Por que não repousou sua alma no meu pé, por exemplo! Foi logo escolhendo o meu lombo. E, agora, como o Onório vai brincar de cavalinho comigo? Triste sina!


 

3 comentários:

Anônimo disse...

Este merecia ser publicado em qualquer dessas revistas que coostumam trazer crônicas de gente famosa. Esta melhor que que muitas crônicas que se lêem nos cadernos literários.. Gostaria de conhecer a vizinha botafoguense. Este louro merecia chumbo mesmo.
Marcio

Anônimo disse...

Dulce
Você sabe quando a gente se depara com um texto e pensa assim: Pôxa eu gostaria de ter escrito isto!
Ahahahahahahahah! Inspiradíssima, garota! Excelente!
Parabéns pela criatividade, pelo bom humor, neste texto que nos remete a coisas bem brasileiras.
O que fará crescer em qualidade o grupo Carrossel é justamente a peculiaridade do estilo e o universo que cada um de nós trará para somar. ADOREI! Beijo da Fatima
e até terça lá no DEK!

Anônimo disse...

Dulce você sabe quando a gente se depara com um texto e pensa assim:
Pôxa eu gostaria de ter escrito isto! Ahahahahahahahah!
Inspiradíssima, garota! Excelente!
Parabéns pela criatividade, pelo bom humor, neste texto que
nos remete a coisas bem brasileiras. O que fará crescer em qualidade o grupo Carrossel é justamente a peculiaridade do estilo e o universo que
cada um de nós trará para somar.
O texto evidencia aspectos recorrentes na conduta de muitos como, por exemplo,a paixão pelo time de futebol, o pavor que resulta do mal cometido por pessoas
que não sabem aceitar suas características físicas ou psicológicas, etc
É evidente que ninguém com um mínimo de educação ou discernimento, cometeria a
atrocidade de envenenar um papagaio. Entretanto pessoas destrambelhadas existem,
e fazem parte do caldo que gera textos e personagens.
Ah! Márcio: conheço outra... de um papagaio vascaíno que é um barato!
Abraço da Fatima